Água para um mundo sustentável

O Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos de 2015 mostra que 748 milhões de pessoas ainda não têm acesso à água potável. Os mais afetados são pessoas de baixa renda, desfavorecidos e mulheres. Ao mesmo tempo, as populações humanas não param de crescer, as atividades agrícolas e industriais se expandem e as mudanças climáticas já alteraram o ciclo hidrológico global.

De acordo com o Relatório, a demanda por água vai aumentar cerca de 55% até 2050. No setor industrial, por exemplo, estima-se que a necessidade pelo produto crescerá até 400%, entre 2000 e 2050. No entanto, 20% das fontes mundiais de água subterrânea já estão sendo superexploradas e a qualidade da água está cada vez mais comprometida. Provas disso são a liberação descontrolada de pesticidas e produtos químicos em cursos d’água e a ausência de tratamento de esgoto em muitos lugares.

As relações complexas entre o acesso à água e o desenvolvimento mostram a urgência de equilibrar a balança entre a demanda por água e a disponibilidade do produto, com foco na erradicação da pobreza e na promoção do desenvolvimento sustentável.

Para falar dos desafios para garantir o abastecimento da população com água tratada entrevistasmos o doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento e sanepariano aposentado, Cleverson V. Ele falou sobre o problema da escassez hídrica e defendeu que a água de reúso é o caminho natural para resolver o déficit entre demanda e suprimento.

Há escassez hídrica num país abundante em água, como o Brasil?

Em todos os pontos onde a demanda por água ultrapassa a disponibilidade, temos escassez hídrica. O exemplo mais recente no Brasil foi o que aconteceu em São Paulo. Embora aquele estado tenha grande disponibilidade de recursos hídricos, o fato de concentrar uma população de mais de 20 milhões de habitantes na região metropolitana fez com que a quantidade de litros por habitante ficasse extremamente restrita. Hoje, veremos que a disponibilidade de água daquela região é menor do que a do semiárido nordestino.

A qualidade também afeta a quantidade de água disponível. Uma bacia hidrográfica com uso urbano e industrial gera poluentes que se acumulam ao longo do recurso hídrico comprometendo a qualidade da água. Não adianta ter um rio com muita água se ela estiver poluída, pois este recurso terá muitas restrições de uso, como é o caso do Rio Belém, em Curitiba.

Como resolver o problema da escassez?

Desde os aquedutos romanos, quando há escassez de água, o ser humano procura trazer água de outras bacias hidrográficas para aumentar a disponibilidade em um ponto específico. É o que vemos em São Paulo, que traz água de outras bacias a mais de 100 km de distância, a chamada transposição de bacias. Na China, está sendo construído um aqueduto de 3 mil km para aumentar a disponibilidade hídrica. Aqui em Curitiba temos a previsão, nos próximos 20 anos, de usar as bacias dos rios Várzea e Açungui, ambas a cerca de 50 km da capital. A solução que a humanidade adotou historicamente para resolver a escassez, foi trazer água de mais longe. No entanto, é preciso mudar nossos conceitos à medida que temos um custo cada vez mais alto para obter água e para o tratamento de efluentes, em função das legislações ambientais.

Qual a perspectiva para o futuro? O reúso de agua seria o caminho?

O conceito que predomina no Brasil como solução para a destinação do esgoto é o de ETE (Estação de Tratamento de Esgoto), de forma a permitir o seu lançamento nos rios. Mas para o desenvolvimento de soluções sustentáveis, esse conceito de ETE terá que evoluir para o conceito de URA (Unidade de Recuperação de Água), com a melhoria da qualidade do efluente para reconduzi-lo ao processo produtivo, permitindo o reaproveitamento do recurso hídrico e não simplesmente lançá-lo no corpo receptor. O objetivo inicial é de que essa água seja utilizada em atividades que requeiram menor qualidade, como para uso industrial ou de irrigação. Assim, poderemos liberar a água de melhor qualidade para as necessidades essenciais que exigem um melhor padrão de qualidade, como abastecimento publico e fabricação de alimentos. Como os custos do tratamento estão aumentando assim como os da agua tratada, considero que o reúso da água é inevitável, é o caminho natural para a solução da escassez. O uso do esgoto tratado é muito mais importante do que o aproveitamento da água da chuva, pois o tratamento dos efluentes aumenta a disponibilidade já existente, mesmo em período de escassez de chuvas.

Como sabemos que o reúso é a solução natural para o quadro que o mundo nos apresenta, nada mais lógico que as empresas se anteciparem a essa tendência e já comecem a implementar esta pratica. Países como Estados unidos, Israel e México mostram que é possível utilizar essa tecnologia para resolver a escassez. Em várias partes do mundo, já é feito o aproveitamento do esgoto bruto para o abastecimento público, o que chamamos de uso potável direto, como é o caso da Bélgica, Namíbia, Austrália e vários estados americanos como Virgínia, Florida, Texas e Colorado, nos Estados Unidos.

Como você avalia o andamento das pesquisas sobre o reúso de agua no Brasil?

Enquanto alguns países já fazem o reúso de água uma prática comum, o Brasil está atrasado nas políticas de reúso. Infelizmente, o país sempre optou por ser dependente em tecnologias de países desenvolvidos, embora seja importante o desenvolvimento tecnológico local para fazer adaptação às pesquisas realizadas mundo afora. A Sanepar, porém, por meio da APD (Assessoria de Pesquisa e Desenvolvimento) é exceção neste cenário. Hoje, a empresa possui uma estrutura de pesquisa muito avançada em relação a outras empresas de saneamento do País. Atualmente, a APD está identificando oportunidades no mercado de reúso e fazendo estudos de viabilidade para implantação da tecnologia e pretende ampliar a atuação através da implantação de uma rede estadual de pesquisa. Espero ver isso se concretizando num futuro próximo.

Desafios para o desenvolvimento sustentável

Após mais de três anos de discussão, líderes de governo e de estado de todo mundo aprovaram o documento chamado “Transformando nosso mundo: a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável”. A agenda tem 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e 169 metas.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, os ODS aprovados foram construídos sobre as bases estabelecidas pelos objetivos de desenvolvimento do milênio para completar o trabalho deles e responder a novos desafios.

Considerando o acesso à água como indispensável para a erradicação da pobreza, o sexto objetivo para o desenvolvimento sustentável se refere à “Água limpa e saneamento” e busca “Garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos”. Para saber mais, acesse www.pnud.org.br e veja a agenda completa.