A hora e a vez das bicicletas

As “magrelas” podem, sim, dividir as vias públicas com os carros.

Este direito está previsto no Código de Trânsito Brasileiro. A legislação não dá somente o direito a outras formas de transporte ocuparem as ruas, mas também prevê, no artigo 29 § 2º, que os veículos de maior porte são sempre responsáveis pela segurança dos de menor porte, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela segurança dos pedestres.

O fato de os carros ocuparem grande parte do espaço no trânsito dá a falsa impressão de que eles são o principal meio de transporte da maioria das pessoas. Porém, a pesquisa Origem/Destino (uma espécie de censo para o transporte urbano) mostra que apenas 20% dos paulistanos se locomovem de carro e, no entanto, eles ocupam 80% das vias da cidade. O resultado disso já é conhecido: cada vez mais engarrafamentos e cada vez menos qualidade de vida.

Segundo o coordenador de comunicação e ciclomobilidade da Federação Paranaense de Ciclismo (CPF), Alexandre Costa Nascimento, a Lei 12.587/12, conhecida como Lei da Mobilidade Urbana, colocou a bicicleta no centro das discussões da mobilidade urbana. “Tirar o protagonismo dos carros significa passá-lo às pessoas e democratizar o espaço público, fazendo com que vários tipos de modais convivam em harmonia”, destaca.

A lei exige que municípios com mais de 20 mil habitantes elaborem e apresentem plano de mobilidade urbana como forma de planejar o crescimento ordenado das cidades. Esse plano deve priorizar o transporte público coletivo e o não motorizado.

Até então, a bicicleta vinha como acessória ao planejamento das cidades. Em primeiro lugar vinha o carro e, então, com muito boa vontade, eram planejadas rotas para as bicicletas. A partir dessa lei, ganham legitimidade as outras formas de transporte, como o que vem sendo feito na cidade de São Paulo. A cidade não tem mais para onde crescer. Como não existe mais espaço para alargar ruas, é preciso racionalizar o uso desse espaço, oferecer alternativas”, explica Alexandre.

Mudando o próprio trajeto

A cicloativista de Curitiba Priscila Maris adotou a bicicleta como meio de transporte há sete anos e, desde então, o veículo teve um papel transformador em sua vida. Além de facilitar a sua mobilidade, ela largou o emprego em uma agência de turismo e abriu o próprio negócio no ramo de cicloturismo.

Priscila, que também é sócia da Ciclo Iguaçu - Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu, ressalta que a bicicleta faz com que as pessoas enxerguem o mundo de outra forma. “A gente sai daquela bolha do carro, que às vezes nos torna mais agressivos e mais inconsequentes, e passa a olhar o outro de forma mais amorosa e respeitosa”, afirma.

Infraestrutura como incentivo

Na América Latina, já existem bons exemplos que tornam viável o uso da bicicleta. Em Bogotá e Medellín, na Colômbia, e em Buenos Aires, na Argentina, foi construída malha cicloviária. Isso já ocorre em Curitiba, em São Paulo e em outras cidades do país.

Segundo Alexandre, mais pessoas usariam a bicicleta como meio de transporte se houvesse infraestrutura que oferecesse segurança. “Para pequenas e médias distâncias, a bicicleta é a forma mais inteligente e eficiente de locomoção. Num trajeto de até 8 km, a bicicleta é imbatível. É mais eficiente na ocupação do espaço, no gasto de combustível, de recursos e do próprio tempo de deslocamento”, afirma.

Educação de motoristas e ciclistas

Para a mudança da cultura do carro para a da bicicleta, políticas públicas de transporte devem incentivar vários meios e promover a educação no trânsito para motoristas e ciclistas. “O poder público deve criar condições para que bicicletas e carros convivam de forma harmoniosa”, afirma Priscila.

Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde apontam que, a cada seis horas, um ciclista perde a vida em algum acidente de trânsito no Brasil. De 2001 a 2017 (último ano com dados disponíveis no Sistema) foram registradas mais de 23 mil mortes de ciclistas em todo o Brasil. O Paraná é o segudo estado com mais mortes no País: 2.618, o equivalente a quase 11% do total.

Somente em Curitiba, de 2012 a 2016 morreram 73 ciclistas. “Será que em todos esses acidentes o motorista do carro foi o único culpado? Nem sempre. Por isso, é preciso promover campanhas de conscientização para o próprio ciclista. Ele deve ter consciência do que deve e do que não deve fazer, precisa respeitar o sinal vermelho, colocar-se na via na posição correta, para que pedale de forma segura.”

 

O Ecobike Maringá é um grande exemplo de como as empresas podem estimular seus empregados a terem outros hábitos de vida, usando a bicicleta tanto para o transporte quanto para o lazer.

A iniciativa nasceu em um grupo de saneparianos e tornou-se um evento consolidado na cidade. “O projeto se expandiu e agora é de todos”, diz Alinor Rodrigues Junior, um dos idealizadores do Ecobike Maringá. Realizado pela primeira vez em junho de 2010, o evento reuniu cerca de 80 participantes. Neste ano, na 7ª edição, participaram mais de 800 pessoas.

A ideia não é apenas promover passeios ciclísticos, mas sim passeios que estimulem a reflexão, na cidade, sobre mobilidade urbana, e no campo, sobre a preservação de nossos mananciais”, explica.